03/01/2016

The lonely passion of Judith Hearne - Brian Moore

Não sei de onde vêm todas as lonely people, mas já tenho a resposta (objetiva) sobre uma delas: segundo o Brian Moore, a Judith Hearne vem da Irlanda. Sem que eu planejasse, essa acabou sendo a segunda leitura do ano envolvendo a história de uma ~solteirona~ (spinster); porém creio que a trilha sonora que elegi para cada uma delas deixa claro como as abordagens de ambos os livros são diferentes. Enquanto o livro da Barbara Pym ganhou a música Spinster, da Joan Jett; o do Moore ficou com Eleanor Rigby, dos Beatles. De forma explícita: o que o Excellent Women tem de cômico e irônico, o The Lonely Passion of Judith Hearne tem de triste e depressivo.

Judith Hearne não está simplesmente solteira; mas sim completa e desconsoladamente solitária. Essa constatação torna-se ainda mais dramática ao leitor porque o encontro com a personagem ocorre no momento em que ela se dá conta de que "vai ser só aquilo mesmo"; de que não adianta mais iludir-se com falsas fantasias e esperanças sobre uma reviravolta miraculosa na vida. Também especialmente cruéis são os breves trechos em que o autor muda o foco narrativo para o ponto de vista das personagens que orbitam a vida de Judith, pois, diante do que lemos, somos cerceados do direito de supor que Judith estava sendo exagerada ou melodramática; quero dizer, o autor remove quaisquer margens para o discurso "calma, amiga, também não é para tanto." Era para tanto, sim, pois absolutamente ninguém dava a mínima pra ela. E caso a intenção da pergunta do Paul McCartney seja mais subjetiva - "Como tornaram-se tão sozinhas? Quais as conjunturas?" -, também não há problemas, pois Moore não nos deixa no escuro e delineia muitíssimo bem os percursos que levaram Hearne àquela situação. 

Em tal circunstância, ela, uma mulher criada como parte da minoria católica da Irlanda do Norte, começa também a questionar aquele Deus a quem sempre seguiu fervorosamente. Tantas regras, tantos mandamentos, tantos sacrifícios... Em troca de quê? Judith pergunta-se e não encontra nenhuma resposta — quer dizer, até ele parecia abandoná-la. De fato, o autor explora e, de certo modo, impõe questionamentos acerca do binômio "culpa/pecado" sobre o qual essa religião é construída.

Por ter provocado um momento de memória involuntária, uma cena foi particularmente enternecedora:
"Quickly, Father Quigley strode past the line of boys and reached his half-door...looked the line of little girls. (...) Didn't she know these were children's confession? (...) Penance-giver, he prepared for the penance of listening. (...) He shot the little slot open with a plock! on the first quivering boy who waited in the darkness on his knees, his small story rehearsing in his mind."
... Minha primeira confissão católica, antes da minha primeira comunhão!... Ao ler essa passagem, fui catapultada para o instante do passado: a pequena capela da escola católica apinhada de outras crianças, minhas mãos suando frio e eu de-ses-pe-ra-da a respeito do que diabos (ops!) deveria dizer pro padre. Eu tinha, afinal, pecado? Como? Quando? Por quê? Enfim... 

Moore tem uma prosa bem enxuta e direta, porém extremamente eficaz em transmitir a dimensão avassaladora do desalento pelo qual Judith passava. Sério, o livro é muito, muito triste mesmo, mas exatamente por isso achei tão bom.        

Nenhum comentário:

Postar um comentário